Comboio dos 1000<br> – Uma viagem de compromisso

Jorge Cabral

Já passava das 15h do dia 5 de Maio quando o apito soou na Gare du Midi, em Bruxelas, dando início à partida do Comboio dos 1000, com destino a Auschwitz. Os passageiros, mil jovens de vários países europeus, iriam percorrer os mesmos trilhos por onde passaram os vagões para o gado apinhados de vítimas dos centros de extermínio nazis, que eram capturadas e levadas para os campos de concentração, tendo-lhes sido dito que iam para o Leste da Europa, onde encontrariam emprego.

Bruno, um dos 20 jovens portugueses que integraram a delegação da URAP – União de Resistentes Antifascistas Portugueses, partiu para esta viagem sabendo que «há erros do passado que não podemos voltar a cometer; a História ensina-nos que as sociedades evoluem, modificam-se, mas podemos voltar a cometer erros numa outra forma, com outros mecanismos, com outros alvos. O facto de se ter derrotado o fascismo há 70 anos não quer dizer que ele esteja morto. Por isso temos que estar muito atentos.»

No Comboio dos 1000 viajaram também sobreviventes de campos de concentração e outros veteranos, permitindo assim o contacto directo entre os jovens e os protagonistas da luta antifascista. José Pedro Soares, ex-preso político do regime fascista, que sofreu um total de oitocentas e vinte horas de interrogatório e vinte e um dias e noites sem poder dormir, integrou a delegação portuguesa, partilhando com os jovens a sua experiência, lembrando os longos anos de ditadura fascista mesmo depois do nazi-fascismo ser banido da Alemanha, destacando a importância da revolução do 25 de Abril e da conquista da liberdade.

A célebre frase «O trabalho liberta» pode ler-se no cimo do portão que dá acesso ao campo de concentração de Auschwitz. Foi aí que os jovens passageiros do Comboio dos 1000 se encontraram para dar início à visita ao campo, hoje transformado em museu ou lugar de memória. Depois de transpor o portão, dá-se o confronto com as imagem das atrocidades cometidas nos campos de extermínio, com o sofrimento dos milhões de indivíduos que ainda hoje têm o seu nome no livro do campo ou com os rostos afixados na parede, para nunca serem esquecidos.

Do passado para o futuro

 Todos viram o horror, as toneladas de cabelos, sapatos, malas, objectos que eram roubados aos judeus, ciganos, comunistas, homosexuais, antes ou depois da sua morte, para depois serem aproveitados ou transformados. Viram também o hospital do campo onde decorriam experiências médicas, sacrificando mulheres ou usando crianças. Pisaram o chão percorrido pelos presos, que foram usados como trabalho escravo a favor de grandes empresas. Viram as câmaras de gás, os crematórios. Ficaram a saber que quando o final da guerra se aproximou os nazis destruíram as câmaras de gás em Auschwitz-Birkenau, em Novembro de 1944, e no ano seguinte começaram a evacuar os campos, tudo para esconder o que acontecia nas suas instalações. Em 27 de Janeiro de 1945, o Exército Vermelho libertou ainda cerca de 7500 prisioneiros. 

Esta viagem a Auschwitz foi sobre a memória e o compromisso com a história. Foi uma visita a locais históricos mas também de desenvolvimento da consciência democrática, dos valores dos direitos humanos e de inter-acção entre jovens de diferentes países da Europa com vista à superação de preconceitos.

No regresso à estação de partida… No comboio descendente, Vinham todos à janela, Uns calados para os outros, E outros a dar-lhes trela… Helena, uma das mais jovens portuguesas que integraram a edição de 2015 do Comboio dos 1000, chegou junto à sua professora com uma certeza: «Por tudo o que aprendi, assumo o compromisso de tudo fazer para que (o fascismo) nunca mais volte a acontecer. E às pessoas que pensam que não é necessário respeitar os direitos humanos tentarei convencê-las do contrário, que a democracia, a liberdade e os direitos das pessoas não podem nunca ser postos em causa.»




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